Há meses que todo mundo só falava em Bolsa de Valores, cotações, riquezas, bancários que tinham investido o 13 salário em ações e agora eram banqueiros. Eu fui dos últimos a entrar: queria antes ter a certeza de que a coisa funcionava. Minha mulher era dona de umas economias em letras de câmbio, eu sempre gostei de economizar, e, além disso, o meu fusca já estava pago.
Um colega apresentou-me ao corretor. Bons tempos. Belgo Mineira de 14 caiu pra 12, por causa de umas ações falsas que surgiram no Mercado.
- Belgo a 12 é o fundo do poço, segredou-me o corretor. - Vai fácil para 28 em menos de três meses.
Empreguei primeiro minhas economias. Três dias e Belgo disparou para 18. Arrependi-me de não ter resgatado as letras de câmbio da minha mulher e enterrado tudo em Belgo. Mas ainda tinha o fusca, que vendi por "dez" milhas à vista. Então, houve um recuo de Belgo para 15.
- É uma queda técnica -, inventou o corretor. -Belgo a 15 é moleza, é até covardia.
Assim, eu enfiei o dinheiro do fusca na Belgo para aproveitar a "queda técnica" a 15. Belgo depois caiu para 13,12,11....
-Belgo a 11 é o piso -, explicou o corretor, com toda a sua sabedoria técnica. -Não pode cair mais. Nossos analistas fizeram um estudo e chegaram à conclusão de que esse papel está....
-...no fundo do poço -, completei.
Parecia que estava mesmo. O papel batia em 11, depois subia para 13. Resgatei as letras de câmbio da minha mulher e entrei na Belgo a 10 numa repentina "queda técnica". Eu pensei que estava começando a entender o jogo. Só que logo as coisas começaram a ficar meio esquisitas. Belgo caiu para 8, depois subiu para 10. Quando caiu para 7, o corretor telefonou-me excitado:
-Belgo a 7 é inacreditável. Quer entrar numa tacada grande, mas grande pra valer? Você faz uma operação a termo, nós entramos com a garantia. Esse papel vale no mínimo 15. Na próxima virada do mercado você faz um faturamento alto. E a alta está iminente.
Eu entrei no mercado a termo, cheio de esperanças. Só que um mês depois fui chamado pra liquidar o termo. Belgo estava a 4. fui ao escritório do corretor, para fazermos o acerto de contas final.
-É, infelizmente não deu certo -, falou ele, como toda a segurança dos profissionais consumados. - São coisas do Mercado. Mas na Bolsa a gente se refaz depressa. É hora de comprar ma-çi-ça-men-te. Neste momento, nós já estamos abaixo do fundo do poço.
O acerto final foi assim: fiquei a zero, sem nada. Minhas economias, o fusca, as letras de câmbio da minha mulher... Tudo perdido. Fui saindo, meio zonzo.
O corretor fez questão de acompanhar-me até o elevador. Chegamos. Devido a algum defeito, a porta estava escancarada para o vazio, para os dez andares do poço do elevador. E o corretor falando, falando...Tive uma privação de sentidos, ou coisa semelhante.
Dizem, "sêo" Delegado, que empurrei o homem. Não sei. Não me lembro. A única coisa de que tenho certeza é que, afinal, o corretor conseguiu achar o fundo do poço."
Décio Bazin
Brilhante conto do início da década de 70 extraído do livro "Faça Fortuna com Ações Antes que Seja Tarde" de Décio Bazin, expondo a situação trágica de muitos investidores na época. Esse conto nada mais é do que mais uma marca registrada dos contos negativos (em tom pessimista) do autor na obra.
É bem verdade que ainda não comentei sobre o livro aqui no Blog, mas me rendi ao conto e resolvi transcrevê-lo, pois mesmo após quase 40 anos ainda vemos situações bem parecidas com essa.
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